quarta-feira, 21 de junho de 2023

As próximas eleições presidenciais

Se a votação da inelegibilidade de Bolsonaro pelo TSE pode ser considerada o primeiro ato das próximas eleições, falta atenção a um elemento, talvez o mais importante da equação: o impacto da inteligência artificial na campanha de 2026. Assim como no último pleito, os novos truques sujos serão testados antes nas eleições americanas em 2024 e logo vão migrar para cá. Em especial, deve ser avassalador o impacto das plataformas de inteligência artificial (IA) generativa como o Chat GPT e o Bard, do Google. O impacto será maior pelo modelo de negócios adotado, o da disponibilização gratuita para uma massa de usuários que ajudam a melhorar o produto através de seu trabalho não remunerado. Estratégia essa que segue o modelo adotado pelas redes sociais, de “winner takes all” – domina-se primeiro o mercado e depois se pensa em como ganhar dinheiro com aqueles que já estão dependentes. (Vale sempre lembrar que este é apenas um modelo adotado por alguns senhores que decidiram que seria assim; haveria muitas outras maneiras da humanidade ter contato com essa tecnologia inovadora). Se usar a mentira como arma política é algo tão velho quanto andar pra frente, o avanço das redes sociais e serviços de mensageria, que se tornaram efetivamente mediadores quase exclusivos do debate público, permitiu que ela fosse produzida de maneira massiva, industrial, e a preço baixíssimo. É algo que, uma e outra vez, acaba surpreendendo quem investiga os criadores de fake news: os valores empregados e desviados nessas redes é muitas vezes inferior ao que se pagava, no passado, aos estrelados marqueteiros políticos, por exemplo. Foi isso que permitiu a ascensão de Jair Bolsonaro e sua família, que sempre foram ladrões comezinhos, uma mistura de milicianos de subúrbio com ladrões de galinha. Bem. Desde que começamos aqui na Pública e investigar as narrativas desinformacionais, ali pelos idos de 2014, há grupos que criam sites de fake news nos meses anteriores às eleições. Já então havia muitos sites de esquerda e de direita que existiam temporariamenre e se valiam narrativas infladas e enviesadas. Naquela época e nas eleições seguintes, a coisa ainda era um pouco precária e custosa: era preciso um grupo de pessoas que fizessem o site e o mantivesse, que reescrevesse as notícias da imprensa com um título que causasse estranheza ou dúvida, que escolhesse as fotos que seriam usadas e as tags que atrairiam a atenção dos algoritmos de busca. Eu estou falando de sites porque eles ainda são uma parte essencial da cadeia de desinformação. É dali que vem os links e títulos que são compartilhados em grupos de Telegrama, Whatsapp, é dali que saem prints para serem comentados em vídeos no Youtube e TikTok. Ainda hoje, são sites pretensamente noticiosos que fornecem uma roupagem de veracidade às teorias mais malucas que são aventadas pelas redes de desinformação. Sabemos que as campanhas de fake news e desinformação, hoje, são multi-plataformas, mas precisam de elementos unificadores que transitem entre esses “locais públicos”. É o serviço essencial que os sites desinformacionais prestam. No entanto, a infraestrutura de disseminação da desinformação não vem dos sites; ela está nos influenciadores das redes sociais. E pouco importa quais são as redes sociais da vez. Vimos o mesmo modelo migrar do Facebook para o Twitter e agora para o TikTok; a desinformação apenas acompanha para onde vão as pessoas e ali se instala como erva daninha. Com o tempo e o monitoramento do STF e TSE, alguns desses sites foram adotando estratégias de maior nuance sobre as desinformações que propagam – em especial, aqueles que viram uma oportunidade de negócios real em manter a operação funcionando. É difícil ver um site bolsonarista por exemplo pedindo golpe de Estado, nesses termos. Pois, agora, a nuance não é mais necessária em um admirável mundo novo de sites anônimos e feito por robôs a custo baixo, que podem existir por um mês, um dia ou trinta minutos, tanto faz. O que importa é a quantidade – para melhorar o ranqueamento no Google – a verossimilhança – cuja barreira é bem mais baixa do que em um site jornalístico normal – imagens fortes e títulos clicáveis. A mentira dali se espalhará de maneira vigorosa pelos perfis influenciadores e depois, mesmo que seja retirada do ar, terá se tornado verdade, ou mais importante, dúvida, poluição informativa. Hoje isso já é realidade, conforme foi demonstrado em um levantamento feito em maio pela organização NewsGuard, que detectou 49 sites de fake news totalmente criados por robôs. Esses sites usavam truques que são velhos conhecidos de quem acompanha notícias de baixa qualidade na internet: muitas matérias sobre temas insólitos como “por que o bocejo é contagioso”, fotos de gatinhos, histórias de celebridades que teriam morrido – muitas delas falsas. São temas que costumam atrair buscas no Google, levando mais leitores para esses sites. Outros truques para convencer os algoritmos a levar o leitor pra essas páginas são o número exagerado de textos publicados e o uso intenso de Google Ads nas páginas via publicidade programática (Se o Google ganha, o Google recomenda. Trata-se de robôs convencendo outros robôs de que apresentar e monetizar esse conteúdo vale a pena). Dentre os sites encontrados no levantamento não havia ainda nenhum feito sob medida para campanhas de desinformação política. Mas a descoberta acende o alerta para o que já é possível e deve, irremediavelmente, ser visto nas próximas eleições presidenciais nos EUA e no Brasil. Além dos sites-fantasma-robôs, vamos passar a ver, ainda, redes de perfis e avatares totalmente criados por IA. Imaginem o custo que é passar um tempo criando um nome, editando uma foto de perfil, escrevendo um resumo e uma lista de pessoas com quem um perfil falso deve se conectar. Como sabemos, os avatares falsos são uma das mais comuns ferramentas das redes de desinformação. E uma IA faz isso em minutos. Todo o custo do labor humano evaporou-se. Além da facilidade na criação de infraestruturas de invenção de mentiras, tudo indica que teremos a adoção da narrativa sobre uma pretensa “perseguição” do sistema contra Bolsonaro – a mesmíssima que Trump tem usado – e com isso a aposta em dobro nos ataques ao STF, TSE e às urnas eletrônicas. Como Bolsonaro, se inelegível, pretende evitar apontar um sucessor, sua aposta maior será mais uma vez no caos. Olho: conforme a Lupa informou, as fake news golpistas voltaram a circular nos grupos de Whatsapp bolsonaristas, insuflando mais uma vez a um golpe militar. O golpismo não morreu. Assim, com a adoção irrefreada da inteligência artificial generativa, é possível que nós vejamos, além de sites de desinformação sobre candidatos em si, um exército de robôs atacando nossa democracia, espalhando teses amalucadas sobre a ditadura do STF, sobre a autocracia da Toga. Se eu fosse o TSE, eu estaria pensando desde já em como vamos sobreviver a isso.
Natalia Viana
natalia@apublica.org



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