segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Senadores querem perdão criminal para garimpeiros na terra Yanomami, revela ofício Lixeira

Por Rubens Valente - BOA VISTA — Um ofício assinado por Chico Rodrigues (PSB-RR), Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e “Dr.” Hiran (PP-RR), três senadores pró-garimpo de Roraima, ao qual a Agência Pública teve acesso, mostra que eles pediram a diversas autoridades de Brasília que os garimpeiros eventualmente flagrados dentro da Terra Indígena Yanomami não sofram “persecução penal”, ou seja, que não respondam a processo criminal. São muitos os crimes atribuídos a garimpeiros que invadem e destroem terras indígenas. Segundo a ANM (Agência Nacional de Mineração), por exemplo, um garimpo do gênero configura “crime ambiental e usurpação de bens públicos” – a terra Yanomami é registrada em cartório como propriedade da União, sobre a qual os povos indígenas têm “sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. O ofício descreve uma reunião que os senadores mantiveram com comandantes militares e ministros do governo federal após um sobrevôo ocorrido em 9 de fevereiro. “Os Parlamentares ressaltaram às autoridades do Poder Executivo presentes a importância de o Governo Federal implementar, o mais rápido possível, uma operação de emergência para promover o resgate dos trabalhadores que se encontram retidos em áreas de garimpo na Reserva Yanomami, assegurando-lhes a ausência de repressão ou persecução penal no momento de sua retirada, uma vez que foram enredados na atividade de mineração premidos para garantir o próprio sustento e o de suas famílias”, diz o ofício. O documento em papel timbrado do Senado foi assinado pelo advogado do Senado Edvaldo Fernandes da Silva, “coordenador do núcleo de processos judiciais” do Senado, e pelos senadores Chico Rodrigues (PSB-RR), Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e “Dr.” Hiran (PP-RR), que se apresentam no papel como membros e coordenador, respectivamente, de uma “Comissão Externa do Senado Federal criada para acompanhar a situação dos ianomâmis e a saída dos garimpeiros de suas terras”. O papel é datado de 10 de fevereiro. A citada Comissão foi instalada uma semana depois, em 17 de fevereiro. O papel teve como destinatários o procurador-geral da República, Augusto Aras, os ministros José Múcio (Defesa), Flávio Dino (Justiça) e Rui Costa (Casa Civil) e os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira. A PGR encaminhou o ofício para sua 6ª Câmara de Coordenação, em Brasília, que por sua vez enviou o ofício ao MPF (Ministério Público Federal) do Amazonas e de Roraima. No documento, no qual anexou o relato dos senadores, a subprocuradora-geral da República Eliana Peres Torelly de Carvalho, coordenadora da 6ª Câmara, escreveu ao MPF dos dois Estados “para conhecimento e providências cabíveis, solicitando a gentileza de nos manter informados acerca das diligências adotadas”. O ofício produzido pela Advocacia do Senado diz que o pedido dos parlamentares sobre a não persecução penal ocorreu após um sobrevôo na terra indígena ocorrido em 9 de fevereiro. Além dos três senadores, participaram da viagem, “uma operação”, segundo o Senado, o governador de Roraima, Antonio Denarium (PP-RR), os ministros José Múcio (Defesa), Silvio Almeida (Direitos Humanos) e José Juscelino (Comunicações), os comandantes militares Tomás Paiva (Exército), Marcelo Kanitz Damasceno (Aeronáutica), o comandante do Estado-Maior das Forças Armadas, Renato Rodrigues Aguiar Freire, e os deputados federais Duda Ramos (MD-RR), Albuquerque (Republicanos-RR) e Zé Haroldo Cathedral (PSD-RR). O documento diz que o senador Hiran “destacou extrema preocupação com a situação degradante dos cerca de 20 mil garimpeiros e suas respectivas famílias que ainda não conseguiram sair da Reserva Yanomami”. Os senadores por diversas vezes denominam a terra indígena como “Reserva Yanomami”, o que é falso – a mesma expressão “reserva” foi transcrita no ofício produzido pela PGR. O território foi homologado em 1992 pelo então presidente Fernando Collor como “Terra Indígena Yanomami” em todos os documentos oficiais sobre o assunto. A troca da expressão “terra indígena” por “reserva” opera para relativizar o pertencimento cultural e jurídico do território ao povo indígena Yanomami, reconhecido pelo Executivo e pelo Judiciário e previsto na Constituição. A presença de Chico Rodrigues, Hiran e Mecias de Jesus numa comissão do Senado para acompanhar a emergência Yanomami já foi repudiada pelas principais organizações indígenas e indigenistas, que pedem a saída desses parlamentares da comissão. O CIR (Conselho Indígena de Roraima), que representa 261 comunidades indígenas no Estado, disse em nota que os senadores Chico Rodrigues e Hiran “jamais se posicionaram a favor do povo Yanomami e dos povos indígenas de Roraima” durante todo governo de Jair Bolsonaro (2019-2022). Em maio de 2022, lembrou o CIR, Rodrigues participou de uma diligência promovida pela Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal na terra Yanomami. Ela teve o objetivo de “acompanhar as medidas adotadas pelas autoridades acerca da situação da comunidade Yanomami”. Na ocasião, disse o CIR, o senador Rodrigues “negou que houvesse qualquer violação de direitos dos povos indígenas na TI Yanomami, negando o genocídio em curso”. “É de se questionar até onde estão infiltrados na estrutura do Estado Brasileiro os representantes dos crimes e interesse dos garimpeiros ilegais no Estado de Roraima. Não aceitamos que grupos políticos usem o Senado para atender interesses escusos. É dever constitucional da referida casa legislativa garantir a proteção aos direitos constitucionais dos povos indígenas. Mas nesse caso da comissão, com a atual presidência da comissão, há claro conflito de interesse”, disse o CIR. 

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