terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Desmatamento no entorno da BR-319 dobra após anúncio de asfaltamento

Após o anúncio do governo, no fim de 2020, de que um trecho da via seria pavimentado, a derrubada da floresta, que vinha acelerando desde 2017, cresceu 110% em apenas um ano. Saltou de 216 km2 em 2020 para 453 km2 em 2021. No ano seguinte subiu ainda mais um pouco, chegando a 480 km2. São os maiores valores registrados naquela região desde 2001. É o que mostra um levantamento feito pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe) a pedido do Observatório do Clima e compartilhado com a Agência Pública. A análise, que considerou os desmatamentos em uma faixa de 50 km de cada lado da estrada, entre 2001 e 2022, ajuda a entender a dinâmica da região. Para especialistas em desmatamento, o avanço tem relação direta com a promessa de pavimentação. Em setembro de 2020, o então ministro de Infraestrutura, Tarcísio Freitas, hoje governador de São Paulo, afirmou em reunião com governadores da Amazônia que iniciaria a obra em um trecho de 52 km da rodovia. Disse também que o plano era ter até 2022 “toda a extensão da rodovia 319 contratada e em serviços”. A BR-319, construída no início dos anos 1970 pela ditadura militar, foi pavimentada no início das suas operações, mas acabou sendo abandonada no fim dos anos 1980 por ter ficado intransitável. A repavimentação já tinha sido discutida em outros governos, mas na gestão Bolsonaro foi alçada ao nível de prioridade. É a única saída por terra de Manaus para o resto do país e, por isso, uma reivindicação antiga de governantes locais principalmente para o tráfego de pessoas. Mas os riscos potenciais de desmatamento acenderam vários alertas. Diversos estudos mostram que, ao longo do processo de ocupação da Amazônia, as rodovias funcionaram como os maiores indutores de devastação da floresta. No caso da BR-319, há um agravante. Ela corta o maior bloco de florestas ainda preservadas da Amazônia. Para Lula, não é possível impedir o desenvolvimento de determinadas regiões. “Se for para construir a estrada para abandonar as terras indígenas ao deus dará, para abandonar o cuidado com a floresta, é melhor não construir. Mas se você tiver responsabilidade envolvendo os estados, envolvendo o governo federal, a gente pode construir essa estrada, ajudar o desenvolvimento e continuar ajudando as terras indígenas e preservando a floresta amazônica”, continuou. No fim de agosto do ano passado, em entrevista a uma rádio de Manaus, ele voltou a sinalizar a favor da pavimentação, acenando para políticos locais. Disse que não quer “transformar o estado do Amazonas num santuário da humanidade”. Afirmou ainda: “Nós temos que dar a essa gente o direito de civilidade, o direito de viver bem, o direito de ir e vir. É plenamente possível você trabalhar corretamente a questão climática, trabalhar corretamente a questão ambiental e você dar a segurança necessária para que possa fazer boas estradas que possam interligar o estado do Amazonas com o restante do país.” Na semana passada, em entrevista à Pública, o novo presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, afirmou que a situação no entorno da rodovia está no foco das atenções do órgão. Mesmo sem ter esses dados específicos de desmatamento em mãos, mas já sabendo do quadro mais amplo do Amazonas, ele disse que a rodovia é um “ponto de alerta” e que avaliaria “com muita atenção e carinho” o licenciamento. Não deu nenhuma sinalização, porém, de que isso poderia ser revisto. *Esta reportagem faz parte do especial Emergência Climática, que investiga as violações socioambientais decorrentes das atividades emissoras de carbono – da pecuária à geração de energia. A cobertura completa está no site do projeto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário