“Fomos da humilhação a motivo de orgulho, graças à nossa luta”, afirmou Terezinha Antero, 77 anos, ao comemorar a publicação - ocorrida em 20 de setembro de 2024 -, do Decreto Presidencial que declarou de interesse social o Território Quilombola Alto da Serra do Mar, localizado no distrito de Lídice, no município de Rio Claro, no Rio de Janeiro. O depoimento da matriarca foi feito durante visita de equipe do Incra/RJ, em 31 de outubro de 2024, para esclarecer as próximas etapas da titulação do território da comunidade quilombola Alto da Serra do Mar. Nascida em Passa Três, outro distrito do município localizado entre o Vale do Paraíba e a Costa Verde, no Sul Fluminense, Dona Terezinha chegou ao quilombo aos oito anos de idade, na década de 50 do século XX.Ela pertence à família Antero, cuja união com a família Leite ocorreu do seu casamento em 1965 com Benedito Leite - atualmente com 81 anos e nascido em Engenheiro Passos, distrito do município de Resende (RJ) -, deu origem à comunidade quilombola Alto da Serra do Mar. As duas famílias são descendentes de trabalhadores escravizados que viviam nas antigas fazendas de café do Vale do Paraíba. Após a abolição, sobreviveram da extração de carvão vegetal, combustível da nascente indústria da região, e colheita do palmito.
Agricultura familiar
“Com a proibição do carvão e do palmito, buscamos a agricultura familiar, produzindo banana, milho, feijão, coco, aipim [mandioca], hortaliça. A dificuldade era conseguir vender. Mas mesmo assim a gente fazia esse caminho aqui a pé, o caminho do ouro, pegava o ônibus lá embaixo e vendia a produção em Angra dos Reis”, contou Benedito Leite Filho, presidente da Associação Quilombola Alto da Serra do Mar, onde nasceu e vive há 53 anos. Bené, como é conhecido, é um dos seis filhos de Dona Terezinha e Seu Dito. Nos anos 80 começaram as disputas judiciais pelo território. Além reintegração de posse, penhora, leilão e medida cautelar, as famílias sofreram ameaças. Somente em 2003 foi feito um acordo. “O pessoal chegava e dizia “sou dono do pedaço, eu sou dono do outro”. Resistimos com o apoio do projeto Balcão de Direitos da ONG Koinonia, que trouxe advogados e a Defensoria Pública, onde na época atuava a Maria Lúcia, que hoje é superintendente do Incra/RJ e está de volta para anunciar o Decreto”, lembrou Bené.
“Muita emoção estar de volta para conversar com a comunidade sobre essa conquista tão importante depois de 21 anos”, comemorou a superintendente Maria Lúcia de Pontes. Com uma equipe da recém-criada Divisão Quilombola do Incra/RJ, ela visitou Alto da Serra do Mar para esclarecer as próximas etapas. “Agora, o Incra fica autorizado a iniciar a desapropriação dos imóveis rurais de ocupantes não-quilombolas do território. Essa etapa engloba vistorias, avaliações e ajuizamento de ações para posterior indenização dos proprietários”, explicou.
Orgulho de ser quilombola
No Território Quilombola Alto da Serra do Mar, que possui uma área de 211,98 hectares, 20 famílias vivem da agricultura, piscicultura e criação de animais de pequeno porte. Em 2003, a comunidade se autodeclarou remanescente quilombola, abriu processo de titulação do território em que vivem em 2006 no Incra, foi certificada pela Fundação Cultural Palmares em 2010 e teve sua Portaria de Reconhecimento publicada em 19 de abril de 2016.
“Como diz minha mãe, hoje temos vários motivos de orgulho: a produção de doces e bananadas, a comercialização dos nossos produtos na região, o reflorestamento e recuperação das nascentes dos rios, o ecoturismo com visitas guiadas por quilombolas na Trilha do Cameru, o plantio de sementes juçara para atrair fauna e flora, a capacitação em associação e cooperativismo na Escola Rio das Pedras, e a nossa Dança Afro, composta por jovens que se apresentam por todos os cantos, representando a cultura quilombola do Alto da Serra”, apontou Benedito Filho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário