Enquanto aguardamos que o julgamento do TSE prossiga e torne Jair Bolsonaro inelegível nesta sexta-feira - apesar da divergência aberta pelo ministro Raul Araújo -, o Censo de 2023 indica possíveis consequências negativas de seu governo, que deveriam ser punidas - e não serão. A começar pela demora e dificuldades enfrentadas pelo IBGE, que teve que esperar até o ano passado para que o Censo fosse finalmente realizado por ordem da Justiça, obrigando o repasse de recursos para esta pesquisa, que norteia todas as outras relacionadas à população brasileira e é a base de políticas públicas em governos responsáveis. Isso se refletiu não apenas no atraso da coleta dos dados, mas em dificuldades para os pesquisadores do Censo - em cidades como São Paulo, a taxa de não resposta chegou a 8,1%, e a recusa, 2,34%. Fake news que diziam que os dados seriam usados para manipulações eleitorais, por exemplo, estão entre as dificuldades apontadas pelos pesquisadores para acessar a população. Por isso, embora o presidente interino do IBGE, Cimar Azeredo, tenha dito que as dificuldades não impactaram o resultado das pesquisas, analistas apontaram a necessidade de realizar trabalhos complementares para detalhar e confirmar dados, Um deles, José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador aposentado do IBGE, disse à imprensa ter estranhado o número de brasileiros levantado pelo Censo - 203 milhões, ou seja, 4,7 milhões abaixo das estimativas do próprio instituto - e recomendou investigar o motivo dessa redução, inclusive possíveis falhas técnicas devido à fragilidade da situação em que o Censo foi realizado. Outra hipótese levantada pelo pesquisador, que deve ser investigada, é o impacto da pandemia de Covid-19 na baixa taxa de crescimento populacional, de apenas 0,52%, menos da metade daquela de 2010. Afinal foram mais de 700 mil mortes diretamente provocadas pela Covid-19 - que, devido à subnotificação, chegariam a 1 milhão, segundo o demógrafo -, além de milhares de mortes indiretas provocadas pela sobrecarga dos sistemas de saúde.
Também houve queda no número de nascimentos por diversos fatores, incluindo a pandemia, quando caiu pelo menos um milhão. Quando colocamos nessa equação a má gestão do governo Bolsonaro durante a pandemia, com efeitos em todos esses números, temos mais uma medida do estrago provocado por um presidente de extrema-direita e disseminador de falsidades, que desde logo apostou na morte dos mais vulneráveis pelo alegado benefício à economia. O que também não aconteceu, como revelam as taxas de desemprego acima de 13% e a volta do Brasil ao Mapa da Fome. Assim como na questão ambiental, o retrocesso nas políticas públicas combinado ao apreço pelo mercado e o desprezo à vida, atrasou também o nosso futuro. Estamos perdendo prazo para aproveitar o que os pesquisadores chamam de bônus demográfico - que é a janela de oportunidade de desenvolvimento formada por uma população economicamente ativa maior do que a população de crianças e aposentados. Pior do que isso, não estamos aproveitando essa redução do segmento em idade escolar para dar uma melhor formação aos que estão estudando, e poderiam se tornar adultos mais produtivos e bem pagos, contribuindo para a elevação dos índices sociais. A educação sofreu um duplo baque no governo Bolsonaro com a suspensão das aulas presenciais - afetando de forma desigual e ainda mais dura os estudantes de baixa renda -, e com a trapalhada no MEC, que chegou a ser envolvido em corrupção de pastores e do governo federal. Torço para que Bolsonaro se torne inelegível mas, ainda mais, para que um dos 16 processos que responde possa resultar em uma condenação que envolva uma punição mais proporcional à magnitude dos crimes que praticou contra o país. E para que a gente possa olhar, com maior precisão e inteligência, para o país revelado pelo Censo. Nisso, os jornalistas terão um papel essencial, tanto na interpretação como na tradução desses dados para que reflitam, também qualitativamente, a realidade que precisamos transformar. PS - Aproveito para parabenizar a Abraji por mais um Congresso de Jornalismo Investigativo. Estamos muito orgulhosas em contribuir com o debate através da participação de 8 de nossos profissionais em mesas e oficinas e duas jornalistas na cobertura do evento. Parabéns a Ravi Spreizner, Breno Andreata, Mariama Correia, Thiago Domenici, Rubens Valente, Bruno Fonseca, Bianca Muniz, Letícia Gouveia, por compartilharem de seu trabalho e conhecimento, e a Laura Scofield e Giulia Afiune por colaborarem com a cobertura desse evento tão importante para os jornalistas e a democracia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário