Duas votações bombásticas na Câmara dos Deputados foram alvo da imprensa nesta semana, retratadas como uma queda de braço entre o governo Lula e o Congresso. Na terça-feira (30), os parlamentares aprovaram por 283 votos a 155 o PL 490/07, que só reconhece as terras indígenas que estavam ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição federal em vigor; na quarta-feira (31), foi a vez da MP do Planalto - que trata da organização dos órgãos do Poder Executivo - que, depois de uma quase derrota do governo e negociações entre o presidente Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira, acabou aprovada por maioria significativa - 337 a 125 votos. Apesar das diferenças de temas e processos, a conclusão expressa em manchetes e reportagens sobre a derrota no primeiro caso, e a vitória sob suspense no segundo caso, foi a mesma: a articulação política do governo está em crise e não estaria conseguindo “se acertar” com a Câmara, o que seria crucial para o governo já que sua base parlamentar não é suficiente para aprovar seus projetos. Nenhum destaque para o lobby ruralista no Congresso, definitivo na votação do marco temporal, sobre a inconstitucionalidade do PL diante do artigo 231 da Constituição, nem sobre o impacto que teria ou terá, se vier a vigorar. Mais: essa não foi uma derrota do governo, mas dos povos indígenas e de todos que sabem da importância da inviolabilidade de seus territórios para sua sobrevivência e para a proteção do meio-ambiente e do clima em um país com mais da metade das emissões de carbono proveniente do desmatamento. Também não acredito que os métodos utilizados para vencer a chantagem da Câmara na votação da MP do Planalto teriam funcionado no caso do marco temporal, principalmente pela enorme força dos ruralistas no Congresso. Talvez o próprio governo não considere o assunto tão vital, já que, para aprovar a reorganização dos ministérios, cedeu os anéis de Sônia Guajajara e Marina Silva, que representam os brasileiros favoráveis aos indígenas e ao meio ambiente. No caso da MP do Planalto, como diz o nome, assunto de âmbito exclusivo do Executivo, houve sim uma queda de braço, tem razão a imprensa. E com propósito claro: forçar o governo não apenas a liberar emendas de 1,7 bilhão de reais (são 4,87 bilhões desde o início do governo Lula), o que foi feito na véspera da votação, mas ceder mais ministérios ao centrão, como explicou com todas as letras o presidente da Câmara em entrevista à Globonews no dia seguinte à votação. “Todos os líderes do governo viram e presenciaram o esforço de todas as tratativas que nós fizemos, sem exigir absolutamente nada. Não é essa liberação de 1,7 bilhão de emendas impositivas que vai manchar a imagem do Congresso, porque elas são impositivas. É ruim quando o governo as libera em cima da data de uma votação, passa uma falsa impressão que, na realidade, nem o governo merece, nem o parlamento merece”, disse o deputado Arthur Lira, no dia seguinte à aprovação da MP dos Ministérios na Câmara em entrevista à Globonews. Alguns minutos depois, completou: “O governo deu ministérios para todos os partidos que o apoiaram na campanha. Esse foi o formato escolhido pelo governo para formar sua base e essa mesma solução tem que ser dada para outros partidos se ele quiser aumentar sua base”, concluiu. Além da liberação das emendas com dinheiro público, que sabemos onde vão parar, como mostram as reportagens de Alice Maciel, vem aí uma reforma ministerial para desfigurar ainda mais o governo eleito como símbolo da retomada da democracia e da defesa do meio-ambiente diante do mundo. Mas, como queria a imprensa, o governo “se acertou” com a Câmara, mesmo que todos soubessem desde sempre o que isso queria dizer.
Marina Amaral
Diretora executiva da Agência Pública
marina@apublica.org
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