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Se esse homem foi condenado há mais de 9 anos de prisão, sem provas, imagine o que pode acontecer com a maioria do povo brasileiro. Se essa moda pega e vira regra no Brasil, já se foram as garantias e direitos constitucionais individuais e coletivos.
No domingo, 16 de julho de 2017, mais uma vez, como nos últimos dias, acordei às 5 da manhã com uma grande interrogação na cabeça: “para que buraco essa gente está querendo levar o Brasil?”. E os coxinhas-paneleiros não me venham com a conversa de que “o PT e seus aliados já levaram o país para o buraco”.
Resolvi escrever esse texto em homenagem aos grandes mestres do Direito e de outras áreas do conhecimento dos quais muito me orgulho de ter sido aluno e, decisivamente, contribuíram para a formação de várias gerações, incluindo a minha.Lembro-me das aulas de Direito Constitucional ministradas pelo saudoso poliglota Wilson Rosas. Homem muito culto, falava francês, inglês, espanhol e alemão e conhecia como poucos os teóricos marxistas. Como também me lembro do saudoso e também poliglota Érito Machado, honrado magistrado, que nos ensinou Direito Civil.
Para continuar a mencionar os que já partiram para outro plano, me recordo de doutor Acioli da Cruz Moreira. Quem não aprendesse Direito Comercial com ele, apesar da sua didática controvertida, não aprendia com mais ninguém. Se fosse nos tempos de hoje, responderia a um PAD pelo “queima”, pela “anistia” ou pela insígnia de “cascabulho” (coisa de pouca importância) ironicamente atribuída aos iniciantes. Fazia quatro tipos de provas diferentes numa sala com 40 ou 50 alunos e ninguém tinha ao seu lado, atrás ou na sua frente, prova igual. Pescar era uma missão impossível.
Lembro-me do meu amigo e quase conterrâneo Altamirando Cerqueira Marques. Muitos embates e lutas conjuntas. Nem ele nem Acioli suportavam serem chamados de ACM, apesar das iniciais coincidirem. Deste não fui aluno, mas convivi muito na condição de diretor e presidente do DCE (1990-1992), na luta pela estadualização da Fespi, e aprendi várias lições jurídicas e políticas, como por exemplo, as bases para elaborar um Mandado de Segurança.
O grande penalista Francolino Neto, fundador da Faculdade de Direito de Ilhéus. Confesso que corri da sua fama de “carrasco” e me matriculei no outro turno. Ledo engano, fui aluno da tão conhecedora e exigente professora Lourisse Salume Lessa (encontro sempre com ela nas caminhadas da Beira-Rio), com a qual tivemos muitos embates políticos, mas aprendi muita coisa. Tanto que, quando formei, passe a atuar na área penal.
Lembro que tive a honra de ser aluno de algumas lendas que já se foram , mas ficarão emblematicamente marcadas na história da Fespi-Uesc, a exemplo da grande filósofa, poetiza e mulher de visão além do seu tempo, Valdelice Pinheiro. Na sua primeira avaliação ela nos mandou soltar a criatividade e escrever sobre o pássaro. Certamente instigou a minha mente escrevi um belo texto sobre a liberdade. Na mesma linha, também provocativo, tive a honra de ser aluno do sociológo Flávio Simões e também da sua esposa, Norma.
Vale lembrar daqueles que ainda estão vivos e podem testemunhar a franqueza das afirmações aqui contidas: Professora Lourice, acima mencionada em razão da minha fuga das garras de Francolino. O grande mestre do direito tributário, hoje renomado constitucionalista, Carlos Valder do Nascimeto; Os meus brilhantes professores de Direito Civil e Processual Civil: Josuelito Brito, Pedro Lino de Carvalho, Antônio Carlos Macedo. Meu segundo professor de Direito Comercial Professor Augusto. Os professores de Processo Penal e Civil Carlos Passos, esse, como profeta já previa o que vou concluir nesse texto: “existem dois direitos: o do código e o da vida prático-jurídica” e José Orlando de Carvalho. Impossível não registrar o brilhantismo das suas aulas de Processo Civil.
Ainda fui aluno de Leninha Pita, professora de Língua Portuguesa, que conseguia adequar o conteúdo de suas aulas ao Direito. Na economia, fui brindado por Milton Scaldaferri e Marcelo Santos, base para meus pitacos sobre econômica política que, apesar de não entender profundamente, procuro estudar para entender as alternativas econômicas ao projeto neoliberal.
Professor Josevandro na extinta disciplina Estudos de Problemas Brasileiro. Não posso esquecer das aulas de Educação Física com professora Marilene, que tentou me levar para o mundo do vôlei (não deu certo, meu negócio era a política). Minha amiga Dinalva Melo na especialização em processo civil. E vários outros professores que não convivi em sala de aula, mas muito aprendi com o convívio acadêmico, em nome deles todos vou citar Rui do Carmo Póvoas e Davidson de Magalhães Santos, hoje deputado federal.
No decorrer desses anos, o curioso é que, por conta da minha militância no movimento estudantil, boa parte dela na luta pela estadualização da Fespi e depois pelo processo de institucionalização, democratização e eleições direta para reitor, passei o dobro do tempo na FESPI/UESC e não me arrependo disso, pois sinto um pedaço da minha vida incorporado a essa instituição à qual retornei agora em janeiro desse ano na condição de professor de prática jurídica.
Em palavras que granjeou homenagem da doutrina, Celso Antônio Bandeira de Melo escreveu:
“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.
Sem fazer qualquer consulta a livro ou internet, me lembro perfeitamente dos princípios constitucionais penais e processuais penais que aprendi, os quais ainda não foram revogados, que eu tenha conhecimento: princípios da anterioridade da lei penal; da irretroatividade, salvo para beneficiar o réu; ampla defesa e contraditório; da legalidade (não existe crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal); do devido processo legal; princípio do “livre” convencimento do Juiz, com base nas provas; princípio da presunção de inocência (o ônus da prova cabe a quem acusa); princípio da excepcionalidade da prisão preventiva; princípio da busca da verdade real dos fatos concretos (não de ilações); princípio da imparcialidade do Juiz; princípio da personalidade ou responsabilidade pessoal da pena (não se pode punir alguém por fato praticado por outrem).
Infelizmente, o que vimos assistindo ultimamente são ofensas reiteradas aos princípios supramencionados e outros que talvez a memória tenha me traído e eu tenha esquecido mencionar.
Não se trata de posição política, ideológica, preferência partidária, gosto pessoal pelo PT, PCdoB, Lula ou quais quer outras pessoas, partidos ou movimentos. Se trata do grande risco que a sociedade corre deixando passar despercebido esse precedente. Se condenaram o homem mais popular desse país apenas por testemunhas beneficiadas pela delação premiada, a qual tenho lá minhas restrições, imaginem o que, com base nesse precedente podem fazer com um cidadão comum.
Sei que o Sistema Penal Brasileiro está falido há muito tempo e só tem alcançado as classes menos favorecidas. Mas, mesmo com essa visão vesga do nosso Direito Penal, que protege mais o patrimônio que a vida e a dignidade da pessoa, protege o patrimônio dos ricos, mas não é capaz de proteger suas vidas, porque o sistema empurra a maioria da população negra e pobre do país para a marginalidade.
Lula pode ter cometido erros políticos, mas, sem dúvidas, buscou ampliar as oportunidades para a juventude brasileira. Conseguiu ampliar o número de vagas nas universidades públicas federais; utilizou os impostos que sempre foram sonegados pelas faculdades privadas para oferecer vagas para jovens com dificuldade de pagar mensalidades nelas; fortaleceu o Pronatec e criou várias universidades e institutos federais de educação tecnológica. Valorizou o salário mínimo e em seu segundo governo experimentamos o melhor momento econômico do país alcançando tecnicamente o pleno emprego.
Se esse homem foi condenado há mais de 9 anos de prisão, sem provas, imagine o que pode acontecer com a maioria do povo brasileiro. Se essa moda pega e vira regra no Brasil, já se foram as garantias e direitos constitucionais individuais e coletivos.
Temos que nos indignar, não por gostar ou detestar Lula, mas pela consciência de cidadania, pela defesa da democracia e para preservar os princípios constitucionais de direito penal e processual penal que são garantias de proteção individual aos abusos que possam ser praticados pelo estado contra qualquer cidadão.
Wenceslau Augusto dos Santos Junior é professor da Uesc e ex-presidente do DCE FESPI/UESC.

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