Uma canção de amor (e código)
Natalia Viana natalia@apublica.org |
Levaram ainda alguns anos antes dele poder acessar a world wide web, um chat e – wow – aquilo era outra revolução.
Ele sempre me diz que, naquela época, havia um tesão de experimentar com as possibilidades.
Pouco depois, ele viu colegas da sua idade ficarem milionários, do dia para a noite, na “primeira bolha” da internet do final dos anos 90. Ele foi por outro caminho: decidiu ser voluntário de um projeto chamado Geekcorps, que, inspirado nos Peace Corps americanos – grupos de jovens de boa vontade do norte global que se oferecem para trabalhar em países pobres como voluntários – enviava desenvolvedores para a África para trabalhar com ONGs locais e capacitá-las nos labirintos do maravilhoso mundo novo que se descortinava. O professor Ethan Zuckerman, da Universidade de Massachussets, um dos geeks que ficou milionário logo na primeira onda (ele inventou os “Pop-ups”) e depois passou a se dedicar a melhorar o mundo, era o idealizador dos Geekcorps e tornou-se uma espécie de mentor da linha que Babak seguiria, segue até hoje, dentre tantas correntes de pensamento dessa comunidade esparsa, dispersa, invisível para a maioria de nós que usamos todo santo dia os códigos escritos por eles e elas. Assim, conviver com ele é conviver com o bom e o ruim da internet, com a bonita cultura do compartilhamento e também com todos os sonhos que foram destruídos; conviver com os inúmeros “bugs” e as empresas cada vez mais sem-vergonha atrás dos nossos dados; com a inflexibilidade dos códigos e a infinidade de combinações possíveis para inventar coisas que – infelizmente, felizmente – têm que fazer sentido, ter regras claras, quadradas e lógicas. É também estar a par das mais malucas teorias da conspiração que rondam os lugares mais escuros da web, e dos debates filosófico-tecnológicos que embasam novidades como blockchain, criptomoedas, Inteligência Artificial, ou a tendência à “bostificação” – que já foi tema de uma newsletter, apenas uma das muitas que foram inspiradas por ele. E é ele, o eterno chato, aquele que não deixa esquecer nem a mim nem à equipe da Pública que por trás de ferramentas aparentemente inocentes como as que as Big Techs querem que se enfiem no nosso site, estão decisões maquiavélicas, como retirar o poder dos desenvolvedores (que entendem de coleta de dados de usuários e proteção de privacidade) para entregar aos que fazem a parte do marketing (que querem vender). Decisões políticas, mesquinhas, humanas, demasiadamente humanas. Por mais que a internet tenha se corrompido de maneira abrumadora na era da plataformização e do oligopólio, há algo bonito em ter do meu lado uma pessoa que traz dentro de si aquele menino que ainda vibra quando sai um novo Iphone ou Vision Pro, que se mete imediatamente a conversar com os modelos de inteligência artificial generativa como se disso dependesse o nosso futuro – e não depende? – e que passa as suas horas livres a inventar aplicativos que ajudam as pessoas a brincar mais com a tecnologia: com as cidades, com seu entorno, com a arte sonora, com esse ou aquele momento histórico, com poesia sintética. Talvez, mais do que as últimas notícias do mundo geek, o que ele me traz é a capacidade de manter a esperança de que esses que esses meninos, essas meninas, estão todos por aí, um exército de amantes dos princípios fundantes da internet, como o compartilhamento do conhecimento humano e a democratização do acesso à informação – “a informação quer ser livre”, diziam. Talvez estejam distraídos, talvez ocupadérrimos em seus trabalhos de construir esse mundo em que hoje vivemos de fato. Mas estão por aí. E isso me faz ter enorme esperança, ainda, de que é possível reconstruir a humanidade na internet. E a brincadeira. Por que não?
Diretora Executiva da Agência Pública
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