Agência Pública - Por Clarissa Levy - Férias remuneradas, 13o e aposentadoria. Esses são alguns dos direitos que poderiam ser garantidos através de uma plataforma pública que integre os dados das jornadas de trabalhadores de aplicativos – segundo propõe a Aliança Nacional de Entregadores por Aplicativo (Anea). O grupo, que reúne 25 lideranças de entregadores de diversos estados, defende que o governo crie uma plataforma pública que abarque o volume de trabalho realizado por cada trabalhador para cada empresa e calcule a base dos salários, benefícios e impostos a serem pagos pelo trabalho nos aplicativos. A proposta, segundo eles, transformaria a qualidade de vida dos trabalhadores sem alterar a flexibilidade característica do trabalho por aplicativos. O sistema sugerido funcionaria como uma base de dados atualizada em tempo real que registra cada login e logout de um trabalhador em cada aplicativo, possibilitando que o trabalho seja feito para várias empresas-plataformas alternadamente, calculando os encargos trabalhistas gerados por cada serviço. “É uma solução para termos direitos com o nosso tipo de trabalho, que ocorre em várias plataformas. Por exemplo: uma hora eu faço entrega do iFood, outra na Rappi, depois entro no iFood de novo”, explica Nicolas Souza Santos, da Associação de Motoboys, Motogirls e Entregadores de Juiz de Fora e membro da Anea. A Agência Pública conversou com vários membros da Anea e publica mais abaixo uma entrevista com Nicolas, concedida em nome do grupo. Nos próximos dias, a Anea irá apresentar uma proposta técnica detalhada ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seguindo o embalo das centrais sindicais e empresas que têm falado com o Executivo sobre modelos de regulação. Parte do posicionamento dos entregadores incorpora a ideia dessa nova plataforma, chamada Integra Brasil, que foi desenhada inicialmente pelos pesquisadores Paula Freitas, Ana Claudia Cardoso, Sueli Custódio, ​​Vanessa Fonseca, Fydel Mota e Renan Kalil. O projeto surgiu como resultado do doutorado de Paula Freitas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e continuou sendo desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e Universidade de São Paulo (USP). A partir de reuniões com os acadêmicos, os entregadores resolveram também encampar a proposta da nova plataforma pública. Desde meados de agosto de 2022, lideranças de entregadores têm se reunido na tentativa de somar esforços e organizar uma representação para a categoria. “Os líderes das associações foram se juntando, pessoas que atuam em lugares diferentes, cada um do seu jeito, mas que defendem a valorização da categoria. Tínhamos bastante divergências no começo, mas fomos superando”, conta Edgar Silva, conhecido como Gringo, membro da Anea e líder da Associação de Motofretistas (AMA-BR), que reúne mais de 10 mil associados. Em paralelo à formulação do campo acadêmico, o grupo de entregadores já idealizava um aplicativo a ser criado pelo governo para gerenciar as horas trabalhadas e calcular os valores com que cada empresa deveria arcar para cobrir os direitos trabalhistas de seus entregadores. O diferencial dessa proposta, segundo a Anea, é que ela garante a flexibilidade para entregadores seguirem trabalhando para diversas empresas. Entre os trabalhadores, a ideia de um aplicativo do governo que gerencie dados e garanta flexibilidade surgiu no início de fevereiro, durante uma semana em que as lideranças faziam longas reuniões tentando encontrar pontos de concordância para criar uma proposta de regulamentação para enviar a Brasília. “O ponto de virada que acelerou nossa articulação e nos uniu de vez foi o início do governo”, lembra Nicolas, em nome da Anea. “Logo nos primeiros dias, o ministro Marinho [do Trabalho] e o próprio Lula falaram sobre a intenção de regular o trabalho por aplicativos. E nós, que já estávamos organizados, ficamos esperando para ver se iríamos ser chamados para discutir. Sabíamos que precisávamos atuar na disputa sobre a regulamentação.” A regulação do trabalho por aplicativos apareceu nos discursos da Presidência e ministérios em 2023, mas a pauta já circula nas instâncias legislativas há muito mais tempo. No Congresso, desde 2015, mais de 19 projetos de lei que tratam do assunto foram apresentados. Paralelamente à discussão legislativa, pesquisadores, sindicatos, autoridades da Justiça do Trabalho e empresas do ramo publicaram seus posicionamentos sobre projetos de regulação várias vezes. As empresas de aplicativos de mobilidade vêm se preparando para uma regulamentação do setor há pelo menos dois anos. Publicamente, em 2021, o presidente da iFood – que detém mais de 83% do mercado de entregas de refeições no país – escreveu um artigo divulgando a intenção da empresa de puxar a discussão sobre uma regulação que, fora do vínculo empregatício, proporcionasse cobertura previdenciária para os entregadores. Internamente, nesse período a empresa defendia um “Marco Regulatório” que chegou a ser tratado pelas agências de publicidade que trabalhavam na Máquina Oculta de Propaganda do iFood – denunciada pela Pública. Entre as tentativas de emplacar seu modelo de regulação, o iFood teria chegado a escrever um anteprojeto de lei que seria encampado por uma deputada na Câmara – segundo apurou o The Intercept. Além dos esforços em penetrar a discussão da regulação via Legislativo, as empresas se reuniram diversas vezes com membros do Executivo. O iFood teve 21 reuniões formais, registradas em agenda oficial, com o Ministério do Trabalho entre 2021 e 2022. Já a Uber se reuniu 13 vezes no mesmo período. Em 2023, o ministro do Trabalho de Lula já se reuniu ao menos uma vez com cada uma dessas empresas – iFood e Uber foram recebidas por Marinho em Brasília, além do CEO global da Uber, que se encontrou com Fernando Haddad, ministro da Fazenda, na Suíça.  Acompanhando de perto as movimentações do governo, o grupo nacional de entregadores, Anea, se organiza para tentar influir na direção da proposta que será formulada pelo governo. Na entrevista abaixo, Nicolas Souza, um dos representantes da Anea responde a perguntas da Pública em nome do grupo.Representantes da Aliança Nacional dos Entregadores (Anea) reunidos em São Paulo.

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