2023 foi de fato o ano mais quente. Por que isso importa?
| Giovana Girardi giovana.girardi@apublica.org |
Isso fica claro também em outros recordes registrados pelo monitoramento. A partir de junho, todos os meses foram os mais quentes que os mesmos períodos correspondentes em qualquer ano anterior, sendo que julho e agosto foram os dois meses mais quentes de todo o registro. Não quer dizer, ainda, que essa temperatura mais alta vai se estabelecer, digamos assim, como o novo normal. Para isso seria necessário ficar nesse limiar por alguns anos seguidos. Por enquanto, o recorde de 2023 e mesmo a eventual ultrapassagem do limite de 1,5ºC – caso de fato a previsão do Copernicus se confirme – tendem a ser temporários. A situação extrema de 2023 se deveu pelo processo de aquecimento global, claro, mas foi impulsionada pela ocorrência do El Niño, fenômeno natural de aumento da temperatura das águas do Oceano Pacífico, que começou a se manifestar por volta de julho e foi se intensificando ao longo do ano. O recorde anterior, de 2016, também tinha se dado em um ano de El Niño. Espera-se que o fenômeno cíclico enfraqueça nos próximos meses, o que deixaria a Terra em torno de 1,2ºC a 1,3ºC mais quente “apenas” que no período pré-industrial. É preocupante, no entanto, que os oceanos como um todo se aqueceram de uma maneira sem precedentes em 2023, o que não pode ser explicado apenas pelo El Niño, alerta o Copernicus. E a gente, como humanidade, segue promovendo todas as condições para que a temperatura do planeta permaneça subindo. Continuamos, acima de tudo, nos relacionando com os combustíveis fósseis como se não houvesse amanhã. O que nos deixa com muita chance de atingir o 1,5ºC de modo mais consistente já no fim desta década. Pior: rumamos em velocidade de cruzeiro para um aumento de até quase 3ºC até o fim do século. A única coisa que poderia evitar isso de acontecer, de acordo com o IPCC, o painel científico da ONU, é reduzirmos as emissões de gases de efeito estufa em 43% nos próximos seis anos. Mas por mais que haja esforços para aumentar a oferta de energias renováveis no mundo, até o momento a curva de emissões continua crescente. A 28ª Conferência do Clima da ONU, realizada em Dubai no fim do ano passado, trouxe pela primeira vez uma sinalização de que é preciso fazer uma “transição para a saída dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos” a fim de se conter o aumento da temperatura a 1,5 ºC. Esse palavrório todo foi interpretado como “o começo do fim dos combustíveis fósseis”. Bom que isso tenha sido dito, porém é ainda muito, muito pouco para o tamanho do problema. A verdade é que não está ali, com todas as letras, que os fósseis devem ser eliminados. Nem como, muito menos quando. Enquanto isso, tem países e corporações no mundo inteiro, inclusive no Brasil, cheios de planos para continuar explorando o ouro negro até a última gota, com teorias vazias de que é isso que vai garantir uma transição energética. A quebra de recorde de 2023 mostra que não há tempo para esse joguinho.
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