sexta-feira, 14 de abril de 2023

De Lula na China às escolas brasileiras: vamos falar de futuro

Marina Amaral
Dir exe da Pública
marina@apublica.org
Foi um discurso de esperança, o de Lula em Xangai, na cerimônia de posse de Dilma, outra vez pioneira, agora como presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento do Brics, “em um mundo ainda dominado pelos homens”, como disse o presidente, destacando o papel da instituição no combate à fome e à desigualdade através de projetos de desenvolvimento (em relação ao Brasil, infraestrutura, programas de apoio à renda, mobilidade sustentável, adaptação à mudança climática, saneamento básico e energias renováveis). Lula transmitiu uma mensagem de independência e de confiança na capacidade do país para “gerar mudanças relevantes para o mundo”. “O tempo em que o Brasil esteve ausente das grandes decisões mundiais ficou no passado. Estamos de volta ao cenário internacional, após uma inexplicável ausência. Temos muito a contribuir em questões centrais do nosso tempo, a exemplo da mitigação da crise climática e do combate à fome e às desigualdades”, sublinhou. O futuro - do Brasil e do mundo - foi a tônica na fala do presidente, principalmente depois da leitura do discurso oficial. “Eu não acho justo a gente terminar o século XXI como terminamos o XX. Quem era rico ficou mais rico, quem era pobre, ficou mais pobre”, disse ao criticar a ganância dos bancos internacionais e defender a criação de uma moeda do Brics. “E eu acho que o século XXI vai mexer com a cabeça da gente”, continuou, aplaudido. Se será possível conciliar o desenvolvimento com um mundo “ambientalmente sustentável” como disse o presidente (sobre isso, recomendo a inscrição na newsletter de Giovana Girardi, que tratou ontem do assunto), ou se esse desenvolvimento será capaz de reduzir desigualdades, como ele promete, ainda há muito a definir. Mas o Brasil vem dando sinais de que há prioridades constitucionais urgentes ainda não cumpridas que já comprometem o futuro. Falo da semana de pânico que viveram crianças, adolescentes e jovens, com ameaças de novos ataques à escola. Note-se que este é um segmento da população já gravemente afetado pelo isolamento e ensino remoto durante a pandemia e também pela fome - 38,7% dos domicílios com crianças de até 10 anos sofrem com insegurança alimentar grave, número 7 pontos maior do que média (dados de 2021). Sem falar na vulnerabilidade de crianças e adolescentes diante de redes sociais que impulsionam conteúdo violento e abrigam extremistas. Os esforços empreendidos pelo governo parecem insuficientes, mas na direção certa - como a portaria do Ministério da Justiça de regulação de mídias sociais, a criação do grupo de trabalho interministerial para refletir sobre o assunto (atitudes desesperadas não ajudam). Mas enquanto tateamos nessa questão, temos uma dívida antiga a saldar, aquela que se refere ao cumprimento da Constituição. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, diz o artigo 277.  Em um país, em que 2 milhões de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos estão fora da escola, muitos trabalhando ilegalmente (mais de 700 mil em atividades de risco e insalubridade), em que 14% das mães têm menos de 18 anos, em que a cada ano 7 mil crianças e adolescentes são mortos de forma violenta, fica flagrante o descaso com a população que deveria ser prioridade de todos nós. Não admira que no segmento etário seguinte - 18 a 24 anos - o Brasil seja o segundo pior país do mundo em proporção de jovens que não trabalham nem estudam. Ontem, um adolescente de 14 anos feriu duas crianças em uma escola rural no Ceará. Mais um. Contei 16 adolescentes (entre 10 e 18 anos) que participaram dos 21 ataques a escolas ocorridos de 2002 para cá. Em que pese os múltiplos fatores envolvidos nesses ataques, não seria o caso de olhar primeiro para a garantia de direitos da população prioritária de acordo com a Constituição? Não são eles que deveriam sonhar um mundo melhor? Como disse na última newsletter, a imprensa também precisa cobrir as violações de direitos dos mais jovens com prioridade. Aliás, aproveito para fazer uma correção. O relatório sobre o extremismo nas escolas, que recomendo para leitura, foi coordenado e não escrito pelo professor Daniel Cara, que contou com 11 especialistas no tema para a tarefa.
Bom fim de semana





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