segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Política de Bolsonaro para o meio ambiente afunda a imagem do Brasil

Ser, na mesma semana, tema da reportagem de capa da revista de economia mais influente do mundo e um dos destaques da principal publicação científica do planeta é raro, se não inédito, e ninguém poderá negar esse feito de Jair Bolsonaro, ainda que o motivo de tamanha projeção seja mais um vexame internacional. Foi preciso o governo do ex-capitão chegar a extremos no incentivo à atividade econômica predadora e questionar o conhecimento científico com truculência e obscurantismo medieval para receber a devida atenção da The Economist e da Nature. Antes tarde. “Velório da Amazônia: o Brasil tem o poder de salvar a maior floresta da Terra ou de destruí-la”, fulminou a capa do semanário econômico. “O ‘Trump Tropical’ espalha uma crise sem precedentes para a ciência brasileira: as tensões aumentam à medida que a administração Jair Bolsonaro questiona o trabalho de cientistas do Estado e determina cortes debilitantes nos fundos de pesquisa”, descreve a publicação científica.
“Tanto a redução na cobertura de árvores quanto a mudança no clima estavam colocando em risco o futuro da floresta bem antes das eleições de outubro de 2018, mas depois disso a Amazônia enfrentou outra ameaça: Jair Bolsonaro, o novo presidente e possivelmente o chefe de Estado mais perigoso do mundo para o meio ambiente”, prossegue a Economist. “Desde que assumiu o cargo, ele reduziu o cumprimento das leis ambientais e promoveu a exploração econômica das reservas indígenas. Agora, seu governo está avançando com propostas para diminuir o tamanho das áreas protegidas em regiões como a Amazônia”, sublinhou a Nature.

As publicações que provavelmente Bolsonaro, seus ministros e a horda que o defende nas redes sociais classificarão de “comunistas” chegaram aos leitores em uma data oportuna, a sexta-feira 2, dia em que o raivoso ocupante do Palácio do Planalto decidiu exonerar, sob a acusação de falsear dados, o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Ricardo Galvão, acadêmico de reputação condizente com a respeitabilidade científica internacional do órgão que dirigia. A crise começou na quinta-feira 18, quando a mídia divulgou como de responsabilidade do Inpe dados sobre um aumento de 88% no desmatamento na Amazônia entre meados do ano passado e julho deste ano. Tratava-se, entretanto, da reprodução de uma reportagem mal fundamentada do portal G1, ligado à Globo, na página de um dos cursos de pós-graduação do instituto e que foi considerada de maneira equivocada como uma publicação da própria instituição em um processo tortuoso detalhado por Galvão na entrevista à página 18. “A questão do Inpe, eu tenho a convicção de que os dados são mentirosos, e nós vamos chamar aqui o presidente do Inpe para conversar sobre isso, e ponto final nessa questão”, afirmou o ex-capitão, naquele seu estilo que destrói mais rapidamente a língua pátria do que as queimadas são capazes de arrasar as florestas, durante um café da manhã com jornalistas estrangeiros. “Mandei ver quem está à frente do Inpe. Até parece que está a serviço de alguma ONG, o que é muito comum”, insinuou.

O autointitulado capitão motosserra esculacha a ciência e menospreza líderes europeus

Galvão não se deixou intimidar, mostram suas afirmações a jornalistas feitas desde o sábado 20 em resposta aos ataques do capitão: “Ele tomou uma atitude pusilânime, covarde, de fazer uma declaração em público talvez esperando que peça demissão, mas eu não vou fazer isso… O senhor Jair Bolsonaro precisa entender que um presidente da República não pode falar em público, principalmente em uma entrevista coletiva, como se estivesse em uma conversa de botequim…” “Isso é uma piada de um garoto de 14 anos que não cabe a um presidente da República fazer.”

O cientista explicou que os dados sobre o desmatamento da Amazônia são divulgados desde meados da década de 1970 e a partir de 1988 compõem a maior série histórica de informações de destruição de florestas tropicais respeitada mundialmente. “Ele disse que os dados do Inpe não estavam corretos, segundo a avaliação dele, como se ele tivesse qualidade ou qualificação de fazer a análise.”



Galvão aproveitou o espaço aberto na mídia pelas acusações sofridas para apresentar suas credenciais: “O presidente Bolsonaro tem que entender que eu sou um senhor de 71 anos, professor titular da Universidade de São Paulo, membro da Academia Brasileira de Ciências, fui presidente da Sociedade Brasileira de Física durante três anos, membro do Conselho Científico da Sociedade Europeia de Física durante três anos. Todos os diretores dessas unidades de pesquisa não são escolhidos por indicação política ou porque os pais deles quiseram dar um filé mignon para cada um”, disparou, em referência à indicação de Eduardo Bolsonaro para o posto de embaixador nos Estados Unidos. Em uma das inúmeras defesas do nepotismo, o ex-capitão admitiu: “Se eu puder dar um filé mignon ao meu filho, eu dou”. A respeito da insinuação de que agiria “a serviço de alguma ONG”, o físico declarou: “Nunca tive nenhum relacionamento com nenhuma ONG, nunca fui pago por fora, nunca recebi nada mais além do meu salário como servidor público”.

Galvão afirmou ainda que sua atitude foi deliberada e pretendeu chamar a atenção da comunidade científica e da sociedade em benefício do Inpe. A preocupação parece justificável, pois o governo está empenhado, segundo a Transparência Brasil, em “fazer um ‘apagão’ de dados oficiais produzidos por diferentes instituições que deveriam embasar as políticas públicas. Em vez de agir sobre a realidade, o governo prefere atacar os dados que a descrevem demonstrando pouco apreço por estudos científicos e evidências”, condenou a entidade.

O que incomoda Bolsonaro e seus apoiadores integrantes do agronegócio e do extrativismo é a alta eficiência do sistema de monitoramento e alertas sobre avanços do desmatamento emitidos pelo instituto, um instrumento consolidado de ação legal rápida para conter a devastação da Amazônia provocada pelos atos desenfreados de pecuaristas, madeireiros e mineradores.

O risco de uma hecatombe no País com reflexos no mundo é elevadíssimo e vai muito além da vital questão ecológica. Ela ameaça diretamente o agronegócio, principal fonte de divisas externas da economia brasileira, tábua de salvação do comércio exterior, e lança dúvidas sobre a conclusão do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. “As exportações serão violentamente afetadas se o Inpe parar de medir o desmatamento”, alertou Galvão na segunda-feira 5, em entrevista à BBC. O cientista explicou a CartaCapitalcomo a destruição da floresta afeta as vendas externas: “A maior parte dos países que trabalham com a questão da preservação do meio ambiente e principalmente com a do aquecimento global tem restrições contra os que exportam sem o que eles chamam de ‘selo verde’, uma certificação de que aquela exportação, principalmente de carne, mas também de grãos, não saiu de uma floresta virgem desmatada. Acontece que a competição para vender produtos agrícolas no mundo é muito grande e, se o Brasil desmatar a Amazônia para exportar, mesmo que seja pouco, os nossos competidores vão nos acusar de usar a floresta para plantio e exportação. Isso resultará em um corte violento nas exportações brasileiras”.



As restrições estabelecidas no acordo firmado entre a União Europeia e o Mercosul a importações produzidas com danos ao meio ambiente vão nessa direção. E tendem a se tornar menos flexíveis ao longo do tempo. O exitoso desempenho dos Partidos Verdes nas eleições para o Parlamento Europeu não deixa dúvidas quanto ao peso do desenvolvimento sustentável nas discussões políticas do Velho Continente. Como explica à página 24 o ex-primeiro-ministro de Portugal José Sócrates, a preservação ambiental é um dos eixos do soft power exercido pela UE no planeta. Além disso, ressalta Sócrates, o reconhecimento do País está umbilicalmente ligado à preservação da Amazônia. “O desmatamento desenfreado é uma irresponsabilidade que conduzirá o Brasil à irrelevância e ao isolamento mundial”, anota.

A economia brasileira corre risco de perdas adicionais de 5 trilhões de reais em consequência da política ambiental do governo, calcularam pesquisadores da UFRJ, UFMG e UnB. Segundo os estudiosos, a combinação do desmonte de organismo de regulação e o desmatamento recorde afastaria compradores estrangeiros. “Maus brasileiros usam dados falsos contra a Amazônia”, insistiu Bolsonaro na segunda-feira 5. Dois dias depois, ao falar sobre questões ambientais para uma plateia de donos de concessionárias de veículos, ele reafirmou o uso de “dados imprecisos” de desmatamento, ironizou o presidente da França, Emmanuel Macron, e a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e autodeclarou-se “o capitão motosserra”.(Carta Capital)

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